Florbela Espanca

Ambiciosa
Para aqueles fantasmas que passaram,
Vagabundos a quem jurei amar,
Nunca os meus braços lânguidos traçaram
O vôo dum gesto para os alcançar...

Se as minhas mãos em garra se cravaram
Sobre um amor em sangue a palpitar...
- Quantas panteras bárbaras mataram
Só pelo raro gosto de matar!

Minh’ alma é como a pedra funerária
Erguida na montanha solitária
Interrogando a vibração dos céus!

O amor dum homem? - Terra tão pisada,
Gota de chuva ao vento baloiçada...
Um homem? - Quando eu sonho o amor de um Deus!...
***

Florbela Espanca


Sonhos


Ter um sonho, um sonho lindo, 

Noite branda de luar, 
Que se sonhasse a sorrir... 
Que se sonhasse a chorar...




Ter um sonho, que nos fosse 
A vida, a luz, o alento, 
Que a sonhar beijasse doce 
A nossa boca... um lamento...




Ser pra nós o guia, o norte, 
Na vida o único trilho; 
E depois ver vir a morte




Despedaçar esses laços!... 
...É pior que ter um filho 
Que nos morresse nos braços!





ESTRANGEIRA

ESTRANGEIRA
Sou estrangeira, nesse mundo não me acho,
com esse jeito de viver, só pra ganhar!
Eu não entendo, não aceito, não me encaixo
nessa maneira tão estranha sem se dar!
Não sou tão boa, não sou anjo, mas, percebo!
Tanta intriga, desamor e desconsolo...
A inocência que abandona tão mais cedo
o ser precoce que se torna logo um tolo...
Não há mais sonhos, nem enfeites coloridos!
Apenas, restos, sentimentos doloridos.
Seguindo em frente, insensíveis se contraem...
Também recolho meus retalhos tão puídos,
dissolvo em sombras, este sonho construído...
Uma a uma, minhas palavras se retraem!
*a.d*