Andarilho!

Andarilho!

Na tentativa de acertar eu errei
Tentando rezar eu pequei
Foram muitos os descaminhos
Por demais os espinhos
Portas abriram e fecharam
Sonhos vieram e passaram
Pintei quadro fiz poesia
Fiz pose na fotografia
Perdi minha essência
Eu só tinha aparência
Eu era quem crucificava
E pensava que mandava
A terra não é redonda á toa
Só quem tem asas voa
O mundo virou e eu perdi
Foi ai que me feri
Hoje sou andarilho
Vivo por ai maltrapilho
Andando de palma em palma
Hoje só me restou a alma!

*Santaroza*

Despertar

Despertar

Como pétala de flor a vagar pela superfície das águas ...
A impermanência das coisas nunca nos diz onde devemos pousar...
Se a canção que nos aguarda é sonora como um trovão
ou silenciosa como uma garoa fina, tristinha...
O segredo de não sabermos o que está por vir...
Se o mergulho é profundo na imensidão azul,
se o mergulho é tão somente na imensidão que há em nós...
E o que iremos encontrar?
Brisa leve ou ventania?
A espera que não cessa...
Novas sementes em germinação...
Temer a terra escura?
Temer o que nos protege? ...
Há que ter força e coragem para romper o barro
e do barro ver um novo tempo sendo inaugurado em nossos corações...
Um tempo recanto de paz em que os pés estão cobertos por lótus
e as mãos enfeitadas de rosas...
Despertar!

*Dani Dias*

Mistério


Mistério

Há vozes dentro da noite que clamam por mim,
Há vozes nas fontes que gritam meu nome.
Minha alma distende seus ouvidos
E minha memória desce aos abismos escuros
Procurando quem chama.
Há vozes que correm nos ventos clamando por mim.
Há vozes debaixo das pedras que gemem meu nome
E eu olho para as árvores tranqüilas
E para as montanhas impassíveis
Procurando quem chama.
Há vozes na boca das rosas cantando meu nome
E as ondas batem nas praias
Deixando exaustas um grito por mim
E meus olhos caem na lembrança do paraíso
Para saber quem chama.
Há vozes nos corpos sem vida,
Há vozes no meu caminhar,
Há vozes no sono de meus filhos
E meu pensamento como um relâmpago risca
O limite da minha existência
Na ânsia de saber quem grita.

*Adalgisa Nery *

Um lugar na minha alma


Um lugar na minha alma

Agora que não nos vemos
e as nossas vidas correm pelos dias
cada vez mais longínquas,
sinto, às vezes, uma vontade enorme
de te ver uma tarde, tomar café
contigo, saber como vais…

Agora que não nos vemos
e nos perdemos aos dois,
não penses que esqueci as tuas coisas.
Guardo boas lembranças, e poemas
que te escrevi (lembras-te?); guardo
cartas e fotografias…
E um lugar
na minha alma, onde, se quiseres,
sempre, sempre podes estar.

*Abel Feu*
(trad. Joaquim Manuel Magalhães)

A tua voz edifica-me

A tua voz edifica-me sílaba
a sílaba e é árvore desde
as raízes aos ramos Cantas
em mim a primavera breve tempo
e depois os pássaros irão
povoar de ti novas solidões
E eu sentirei
na fronte permanentemente
o sudário levemente
branco do teu grande silêncio
*Ruy Belo*

Incrível como algumas

"Incrível como algumas
coisas deixam marcas,
e até parece que
foram marcadas à ferro,
porque você ainda as sente."

(Caio F. Abreu)

Na solidão

"Na solidão de certos dias,
eu me invento."
(Carolina Salcides)

Despedidas

Despedidas
Começo a olhar as coisas
como quem, se despedindo, se surpreende
com a singularidade
que cada coisa tem
de ser e estar.

Um beija-flor no entardecer desta montanha
a meio metro de mim, tão íntimo,
essas flores às quatro horas da tarde, tão cúmplices,
a umidade da grama na sola dos pés, as estrelas
daqui a pouco, que intimidade tenho com as estrelas
quanto mais habito a noite!

Nada mais é gratuito, tudo é ritual
Começo a amar as coisas
com o desprendimento que só têm
os que amando tudo o que perderam
já não mentem.

*Affonso Romano de Sant'Anna*