Eu lhe escrevo às escondidas, porque não quero que ninguém
saiba. Então faça de conta que sou a esfinge do Egito. Eu nunca disse que o
amava, mas já lhe estendi os braços para que atravessássemos juntos a rua. Eu nunca soube como te ajudar a resolver seus
problemas, mas já implorei a Deus de joelhos pedindo que o fizesse. Eu
nunca soube abrir meu coração, mas eu já o joguei ao vento entregando carinhos
que ali foram deixados. Eu nunca dei o braço a torcer, mas já chorei por você
diante de todos os meus amigos. Eu nunca lhe comprei flores, mas já lhe enchi a
cara de beijos. Eu nunca lhe disse o quanto era importante pra mim, mas já
fiquei sem dormir, velando-o com medo de que parasse de respirar, e algumas
vezes te acordei. Eu nunca te acompanhei até o médico, mas já fiz simpatia para
curar a sua asma. Eu nunca disse que queria ser mãe dos seus filhos, mas já os
vi correndo no parque. Eu nunca disse que queria me casar, mas já gastei tudo
que eu tinha alugando um apartamento. Eu nunca disse que você era meu príncipe,
mas já te tratei como um sapo para que você revidasse, porque nunca quis que
usasse a sua beleza contra mim. Eu nunca fui atrás de você, mas já me sentei no
banco da repartição pública esperando que você passasse, e algumas vezes você
nem me viu. Eu nunca te olhei demoradamente nos olhos, mas já abaixei os meus
por medo de que eles me atravessassem. Eu nunca gostei de Risoto, mas já o comi
na sua frente, e repeti fazendo a melhor cara do mundo. Eu nunca gostei muito de
baladas, mas já voltei bêbada com você pra casa. Eu nunca gostei de saber que
fazia Zouk com a sua melhor amiga, mas já elogiei a foto de vocês dois que fica
sobre a sua escrivaninha. Eu nunca quis te ligar
por medo de lhe tirar a liberdade, mas já dormi ao lado do telefone esperando
que ele tocasse, e muitas vezes ele nem se mexeu. Eu sei que não lhe
esperei pra comer quando me serviu o primeiro jantar, mas eu só descobri aquela
noite que tinha de ser daquele jeito e senti vergonha. Eu nunca gostei de café,
mas já esperei até que tomasse a sua xícara enquanto me ofendia. Eu nunca gostei
de guerras internas, mas já te chamei de monstro de chocolate, tentando compreender que, mesmo quando eras áspero,
tinha doçura nos gestos. Eu nunca soube a letra inteira, mas já cantei
"Eu era um Lobisomem Juvenil" pra você, enquanto você me filmava do seu celular
sem eu saber, e depois caçoou de mim dizendo que eu parecia um cantor de rapper.
Eu nunca gostei de avião, mas já a vi lua pela janela, enquanto escondia meu
rosto de você, para que não me visse chorando. Eu nunca gostei de entorpecentes,
mas já tomei chá de funcho porque a vovó disse que ia acalmar meu coração. Eu
nunca aprendi a nadar, mas já mergulhei com você e descobri que os peixes do
fundo do mar não são tão evasivos quanto parecem. Eu nunca gostei de dormir fora
de casa, mas fiquei feliz de saber que você tinha me comprado uma escova de
dentes. Eu nunca pensei que você pudesse ter uma recaída, mas fiquei feliz que
me mandasse uma mensagem dizendo que da próxima vez eu deveria lhe apresentar
minha melhor amiga. Eu nunca soube como voar,
mas já coloquei asas em palavras para que pousassem em seu coração. Eu
nunca consegui rir dos palhaços, mas espero até hoje que você volte àquele
instante e me leve ao circo."
*Pipa*
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